Uma das religiões que entraram para a história com uma grande aura de mistérios foi o Mitraísmo que teve sua origem provavelmente durante o período Helenístico, algo em torno do século II a.C na região do Mediterrâneo Oriental. A versão persa dessa religião é a que se tornou mais conhecida, no entanto, a sua origem está ligada a Índia védica.
A difusão dessa religião se deu especialmente nos séculos que se seguiram pelo Império Romano. Entrou para a história como sendo uma religião que em certo momento chegou a concorrer com o Cristianismo.
A Divindade Mitra
A base do Mitraísmo está na divindade Mitra, deus indo-iraniano, cujo nome significa amizade ou aliança. O deus Mitra é supremo nessa religião, soberano em todos os aspectos. Existe um mito da Antiguidade que dá conta de que a divindade nasceu a partir de um rochedo fazendo com que nesse ponto surgisse uma fonte. A partir de seu nascimento o deus teria começado uma batalha com um touro e a mata.
Taurotocnia – A Luta Contra o Touro
A lenda da luta contra o touro fez com que surgisse uma tradição de sacrificar touros para agradar a divindade. O sacrifício recebe o nome de taurotocnia e tinha por objetivo a renovação dos seres vivos através do sangue do animal. Logo após ter sido feito o sacrifício a carne do animal era consumida.
O Que Pregava o Mitraísmo?
Dentre os preceitos que eram pregados por essa religião estavam a retidão, a convivência em harmonia, o conforto e o acordo. Os adeptos acreditavam que aqueles que eram bons poderiam continuar a trilhar seus caminhos mesmo depois do perecimento do corpo enquanto que aqueles que eram maus morreriam de forma definitiva.
Qual a Origem do Mitraísmo?
A referência mais antiga feita a Mitra data do século II a.C e como supracitado o mito teve sua origem na Índia, mas apresentou maior difusão na Pérsia. Com o passar do tempo também se difundiu no Médio Oriente. Um tratado assinado no século XV a.C entre hititas e mitânios cita Mitra como sendo um deus.
Já para os indianos essa divindade aparece citada nos hinos védicos sendo representado como sendo uma divindade de luz. Historicamente acredita-se que foi Dario I, O Grande, o primeiro líder a reconhecer a religião monoteísta do zoroastrismo como sendo a religião oficial do Império Aquemênida. Nessa religião há apenas um deus que tem como nome Ahura Mazda.
Havia uma divergência especialmente interessante entre o zoroastrismo e o Mitraísmo, o sacrifício dos bois. Tentando evitar que ocorre um embate entre as duas crenças Dario I e seus seguidores passaram a juntar as crenças pagãs de maneira que o zoroastrismo passou a ser influenciado diretamente pelo Mitraísmo.
Os Novos Caminhos dos Cultos do Mitraísmo
No ano de 330 a.C, Alexandre Magno, liderou a invasão da Pérsia e com isso ocorreu uma queda do culto de Mitra. Esse culto sobreviveu somente entre os integrantes da aristocracia que ficavam situados nas regiões mais voltadas para o mundo greco-romano. Em seguida o culto foi difundido pelas regiões vizinhas, existem registros históricos que dão conta que imperadores e outros líderes reconheceram o Mitraísmo através de cultos realizados em momentos decisivos.
O Império Romano e o Mitraísmo
Há algum tempo existia um consenso do que o deus Mitrha cultuado pelos persas era o mesmo da religião envolta de mistérios que teve grande relevância no Império Romano. Embora houvesse uma clareza a esse respeito hoje em dia isso ainda não está claro, pode ser que o deus Mitra referenciado no Império Romano fosse o mesmo ou não.
Acredita-se que a chegada do culto a Mitra ao Império Romano se deu através dos legionários que serviam nas fronteiras orientais. Datam de 71 e 72 d.C as primeiras provas de culto a Mitra e consistem em inscrições de soldados romanos. Tem ainda uma passagem na obra Tebaida que faz referência a tauroctonia de Estácio que data de 80 d.C.
Popularização do Mitraísmo no Império Romano
No fim do século II já havia grande popularização do Mitraísmo no Império Romano tanto entre os soldados como entre os comerciantes e os funcionários. Em geral os registros de cultos ligados ao Mitraísmo se encontram perto das fronteiras germânicas. Foram encontrados alguns objetos que foram reconhecidos como sendo parte da realização de cultos.
A Evolução do Mitraísmo no Baixo Império Romano
No século III a religião do Mitraísmo adquiriu outros contornos para os romanos, os imperadores reforçavam os laços com essa religião pelo fato de existir uma forte estrutura hierarquizada. A ideia de hierarquia religiosa permitia que o conceito de império se mantivesse forte e mais confiança fosse depositada na figura do imperador.
Inúmeros templos mistraístas foram erguidos nessa fase, a localização desses templos em geral era próxima a guarnições militares nas fronteiras do Império. Um exemplo da força da religião estava na descoberta de três templos ao longo da Muralha de Adriano na Inglaterra. Um templo em ruínas foi encontrado em Londres. Existem templos dedicados a Mitrha, mitreu, também em localizações como a África.
Templos Para Mitrha em Roma
Embora o Mitraísmo tenha se estendido por todo o Império Romano foi em Roma que recebeu maior atenção, por assim dizer. Houve a identificação de 13 desses templos, porém, acredita-se que podem ter existido centenas deles. Temos a certeza de que em Roma o culto de Mitra era forte devido ao grande apanhado de peças que foram encontradas, em torno de 75 esculturas e centenas de inscrições.
Curiosidade
Um dos templos mitreus mais relevantes e mais bem conservados foi construído abaixo de uma casa romana. Nesse templo há um altar e bancos para que as pessoas pudessem então realizar os cultos. Atualmente esse templo ou o que restou dele permanecem na cripta sob a qual foi erguida a Basílica de São Clemente que está situada em Roma.
Como Eram os Templos Mitreus?
A divindade Mitra era cultuada num templo que era chamado de mitreu, no começo eram escolhidas cavernas naturais, porém, conforme a religião cresceu passaram a ser construídos templos específicos que imitavam cavernas naturais sendo escuras e não possuindo janelas. Uma característica desses templos era que sua capacidade era limitada, podiam entrar entre 30 e 40 pessoas.
Um templo mitreu era composto por três áreas diferentes sendo que uma delas era a antecâmara seguida da spelaeum ou spelunca (caverna) e por fim o santuário. A spelaeum era uma sala de forma retangular que possuía ornamentação por meio de pinturas coloridas e dois bancos que ficavam estrategicamente posicionados perto das paredes em que aconteceriam os banquetes sagrados. No Santuário ficavam o altar e a imagem a ser cultuada.
Como o Mitraísmo Chegou ao Fim
O século III assistiu a queda do Mitraísmo, tudo começou com o sincretismo entre a religião e alguns cultos do Oriente que tinham no sol uma de suas divindades. O resultado dessa combinação de cultos foi a criação de uma religião chamada de Sol Invictus que se tornou a oficial do Império Romano em 274 através de Aureliano.
Foi construído um templo oficial para essa nova religião em Roma e foi estabelecido que seria criado um corpo estatal de sacerdotes que deveriam prestar culto ao deus. Nessa nova religião era atribuído o nome de pontifex solis invicti. Um dos motivos para essa mudança de religião se deu especialmente porque Aureliano acreditava que suas vitórias foram obras do deus máximo dessa religião. Contudo, não foi o sincretismo que gerou o fim do Mitraísmo de uma maneira geral.
Além do surgimento dessa religião nova houve também a questão de territórios perdidos devido a conflitos com bárbaros. Como boa parte desses conflitos se desenrolou nas fronteiras, onde o Mitraísmo tinha mais força, acabou por acentuar o fim dessa religião. Também se destaca a concorrência com o Cristianismo que teve o apoio de Constantino. Podemos dizer que foram diversos fatores que acarretaram no fim dos cultos a Mitra. A religião foi abolida de maneira formal no ano de 391.
Os Sete Estágios do Mitraísmo
O Mitraísmo possuía um complexo ritual em que era necessário passar por sete graus ou estágios em que se obtinha a amizade mística com a divindade quando se alcançava o último grau. Desse conceito é que vem o nome do culto haja vista que Mitra significa amizade ou aliança. Não havia restrição de idade para ser iniciado ao Mitraísmo, contudo, mulheres não podiam ter conhecimento dos mistérios da religião.
Quem deseja ser iniciado na religião do Mitraísmo enfrentava difíceis provas incluindo sacrifícios físicos. Quando alguém passava por todos esses estágios podia então ter a grande honra de participar dos chamados sacramentos do Mitraísmo, uma das principais honras que se podia ter uma vez que boa parte dos interessados não passava do terceiro ou quarto estágios.
Os Estágios e os Planetas
Para alguns estudiosos os estágios do Mitraísmo tinham conexão com alguns planetas como Júpiter, Vênus, Marte, Mercúrio e Saturno. Havia ainda ligação com a Lua e o Sol. Os diferentes estágios de iniciação eram representados por animais e durante os rituais os iniciados iam com as máscaras correspondentes ao seu nível, havia a hierarquização de maneira que aqueles que se encontravam abaixo do nível Leo eram servos dos demais. Confira abaixo a ordem dos sete estágios:
- Corax – O Corvo
- Cryphius – Oculto (há a possibilidade de que seja Nymphus que significa esposo)
- Miles – Soldado
- Leo – O Leão (era quem oferecia a Mitra as oferendas)
- Perses – Persa
- Heliodromus – O enviado do sol
- Pater – O Pai
Características dos Rituais do Mitraísmo
A língua oficial dos rituais do Mitraísmo era o grego, porém, havia algumas fórmulas que eram usadas em persa. Com o decorrer do tempo o latim foi introduzido. A cerimônia do banquete (com pão, água e vinho) acontecia na área central do templo mitreu. Uma curiosidade é que os participantes se alimentavam deitados, esse era um costumo romano.
Nesses rituais acontecia o sacrifício de um touro ou outro animal e quem servia os alimentos eram os iniciados que se encontravam no primeiro estágio, isto é, de corvos. Achados arqueológicos retrataram que foram encontrados pedestais que giram dentro dos mitreus, poderia ser um truque usado para mostrar e esconder a imagem de Mitra.
O Batismo no Mitraísmo
Em algum momento da evolução da religião o batismo, um dos importantes sacramentos, passou a ser feito com sangue de touro, possivelmente por imersão no mesmo e completamente nu. O ritual de iniciação era realizado quando o interessado chegava ao nível de Soldado. Era colocada uma coroa sob a cabeça do soldado que deveria deixa-la cair de maneira a demonstrar que somente Mitra era sua coroa. Havia ainda uma marca feita com ferro em brasa. Alguns historiadores aventam que cada nível contava com um tipo de ritual específico.
Semelhanças do Mitraísmo com o Cristianismo
Sacramentos
Os sacramentos principais do Mitraísmo eram o batismo e uma refeição sagrada composta de pão e água, acredita-se que também de vinho. Também havia a chamada purificação lustral que era realizada com água santificada além dos cânticos sagrados e incensos que eram acesos.
25 de Dezembro – Uma Data Sagrada
Outra grande semelhança entre o Mitraísmo e o Cristianismo diz respeito a data 25 de dezembro que para os adoradores de Mitra era importante por seu significado solar. O sol era entendido como o grande aliado de Mitra de maneira que o dia de início do solstício do inverno era especial. O dia em que o sol dá a volta mais longa ao sul do Equador era também o seu dia para os mitraístas.